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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Fora das aspas

O público não aparece mais nos noticiários somente como fonte. Com o Jornalismo Cidadão e as mídias alternativas, o espectador passou a gerar conteúdo para a própria imprensa.

A internet se tornou o meio de comunicação mais democrático de todos. Diferentemente da televisão, do rádio e das mídias impressas, qualquer pessoa pode divulgar uma notícia, mesmo não sendo repórter e mesmo não noticiando o fato em um portal. Por meio de vídeos, fotos e textos, o internauta compartilha com
os amigos o que acontece em sua rua, em seu bairro ou até mesmo o registro de um acontecimento interessante.

Essa facilidade em reportar acontecimentos gerou outros veículos de comunicação, com vida apenas na internet. São as mídias alternativas, que aproveitam as redes sociais para divulgar fatos, problemas e mostrar os ideais dos internautas.

Entre as mais conhecidas está a Mídia Ninja (sigla para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), grupo formado em 2011 que se tornou mundialmente conhecido após transmitir em tempo real os protestos que aconteceram no Brasil em 2013. Esse grupo está dentro do chamado jornalismo alternativo que, segundo o professor do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Santos, Eduardo Cavalcanti, é uma prática feita por grupos fora dos propósitos dos grandes meios de comunicação.

Além da Mídia Ninja, outros grupos estão usando a internet com a finalidade de relatar problemas ou fatos que a grande imprensa deixa passar. Esses grupos usam as redes sociais, principalmente o Facebook, para dar voz ao povo e ir atrás de soluções.

Esse é o propósito de Luiz Fernando Lobão, dono da página Vivendo em Santos, que atualmente conta com mais de seis mil ‘curtidas’. Criada em 2013, a página foi idealizada após Lobão e alguns amigos perceberem que os veículos de comunicação da Baixada Santista não davam conta de relatar, em tempo real, os problemas nem as virtudes de Santos.

E é essa a necessidade que a mídia alternativa tenta suprir. “Ela se propõe a compensar alguma coisa que está faltando no jornalismo tradicional, que é cheio de deficiências”, explica Cavalcanti. Essas páginas acabam servindo como uma ponte entre a sociedade e os órgãos públicos, já que, muitas vezes, a grande imprensa deixa alguns assuntos de lado.

PROVIDÊNCIAS
Na página Viver em Santos, é comum encontrar denúncias, desabafos, congratulações públicas, debates e até postagens que enaltecem a Cidade, algo incomum em páginas do gênero. O conteúdo é enviado pelos internautas por meio de inbox (mensagem privada). “Qualquer cidadão pode – e terá – voz na página”, conta Lobão.

Esse conteúdo produzido não fica somente no Facebook. “Em alguns casos, as reclamações são enviadas para órgãos governamentais, como a Polícia Militar, Conselho Tutelar e órgãos da sociedade civil organizada”. O problema é que, às vezes, elas são deixadas de lado, como se não existissem. “A Prefeitura, infelizmente, enfia a cabeça no buraco e finge que não enxerga, acreditando, assim, que o problema vai desaparecer. Porém, isso está mudando com a pressão das redes sociais”.

Lobão relembra quando houve aumento no IPTU, o qual foi responsável pela divulgação dos fatos. “Nenhuma mídia tradicional nem de rede social teve a coragem de publicar nada sobre o que estava acontecendo. Então, fizemos uma montagem com o rosto de todos os vereadores que votaram a favor do aumento e lançamos na página. O resultado foi uma explosão viral que ultrapassou 210 mil pessoas e foi copiada por outras páginas e mídias”.

Porém, nem todas as páginas são assim. Para Cavalcanti, as mídias alternativas vão mostrar o lado do povo porque elas consideram que os outros veículos não mostram como deveriam. “Não sei se essa mídia cobre tudo ou se interessa para ela cobrir tudo”, indaga o professor. Para ele, a mídia alternativa, apesar de cobrir as lacunas, deixa de lado o básico para ser considerado Jornalismo. “Ela não consegue manter pelo menos uma das virtudes fundamentais dessa área, que é a isenção ou um grau tão alto quanto possível de isenção. A grande imprensa não é isenta, mas, por mais problemas que existam, elas têm o princípio básico de ouvir todos os lados da notícia. E é algo que não vejo em outros tipos de Jornalismo que estão fora da grande imprensa. Por mais deficiências que ela tenha, ainda é o local onde encontramos o melhor Jornalismo”, defende o professor.

CREDIBILIDADE
Cavalcanti enfatiza que é necessário ter cuidado para não acreditar em tudo o que é noticiado nas mídias alternativas como se fosse verdade absoluta. “As pessoas devem, sem muita euforia, mas com alguma disposição, apoiar esses grupos. Ou acompanhar, ver o que eles estão fazendo, porque eles fazem muita coisa legal. Mas é bom ser crítico, também”.

Seja para procurar soluções, para ajudar alguém ou para ‘alfinetar’ a Prefeitura, o fato é que os usuários das redes sociais estão, cada vez mais, usando esse meio para procurar ajuda. É comum encontrar, entre os compartilhamentos no Facebook, fotos de uma rua esburacada ou de um morador desaparecido. Com a presença dos próprios órgãos públicos nas redes sociais, os internautas se sentem mais próximos a eles, assim como se sentem de seus ídolos, por exemplo.

Para Lobão, existe uma clara tendência da interação diária dos moradores, por meio das redes sociais, com os problemas da Cidade. “Hoje, a Vivendo em Santos é a segunda página com maior alcance viral, se considerarmos os últimos 12 meses. Embora com seis mil assinantes, ela tem capacidade de atingir 80% dos usuários de Santos”. Para o dono da página, a Vivendo em Santos auxilia, ainda, a desenvolver uma consciência crítica nos santistas.

JORNALISMO CIDADÃO
Porém, engana-se quem pensa que a ajuda do público é uma realidade só de páginas e mídias alternativas. A grande imprensa também está usufruindo dessa ferramenta, já que os portais têm investido em espaços próprios e criado até páginas especiais para receber a ajuda do leitor ou telespectador. Para o internauta, essa é uma forma de mostrar um problema em sua rua e buscar uma solução. Para o veículo de comunicação, é como ter um repórter em cada canto da cidade.

Há 120 anos na Baixada Santista, o jornal A Tribuna, o maior em seu segmento, também aderiu ao Jornalismo Cidadão – nome dado à colaboração do público – em seu site. A editora de internet, Maria Estela Galvão, conta que chegam muitas sugestões, principalmente pelo Facebook, e que elas são bastante aproveitadas. “Nós recebemos a foto, verificamos o fato com quem está sendo alvo da reclamação e com quem denuncia antes de publicarmos. Temos que colocar os dois lados”.

O mesmo acontece com um dos maiores portais de notícia da Baixada Santista, o G1 Santos e Região. Ele possui o espaço “Vc no G1”, onde o internauta cadastrado no site pode colaborar com o conteúdo. O editor-chefe, Alexandre Lopes, conta que esse meio é usado no portal para ajudar a resolver problemas da sociedade. “Nós recebemos muita contribuição. O colaborador envia fotos, vídeos e uma descrição do fato. Isso tudo passa por um filtro e o repórter checa, liga para o internauta e escreve a matéria. E quem ganha o crédito é o internauta, que tem o texto assinado com seu nome”. Essas sugestões fazem com que o G1 Santos e Região publique matérias exclusivas que, segundo Lopes, outros veículos acabam utilizando como pauta.

Com uma câmera simples ou até com um celular, o internauta pode conseguir uma solução que é buscada há muito tempo. Boa parte dos veículos de comunicação percebeu a importância desse contato e está, cada vez mais, dando espaço para os materiais produzidos por seu público. Até são questionáveis alguns itens, como a qualidade e se, de fato, isso é Jornalismo, mas, para quem está do outro lado, é uma saída, um espaço para falar o que ninguém mais quer ouvir.


Matéria realizada para a disciplina de Laboratório de Texto em uma revista com o tema Tecnologia. Foto: Juliana Duarte.